“PUTZ!” E A LEI DE MURPHY uma proposta experimental para televisão
Autor: Aline de Paiva Simi, Maíra Machado Pinton e Eliana Silva
Aline de Paiva Simi, radialista, graduada pelas Faculdades Integradas Rio
Branco. E-mail: lilips.rtv@gmail.com
Maíra Machado Pinton, radialista, graduada pelas Faculdades Integradas Rio
Branco. E-mail: maira.machado21@gmail.com
Eliana Silva, mestre, cineasta e publicitária, orientadora dos TCCs do curso
de RTV das Faculdades Integradas Rio Branco. E-mail: ondascanibais@gmail.com
Resumo
O presente artigo está relacionado às pesquisas teóricas, realizadas para dar sustentação
ao trabalho produzido pelos alunos do curso de RTV, como pré-requisito para a obtenção
do título de bacharelado. O projeto consiste na produção de doze pílulas televisivas,
com a duração de dois minutos cada, baseadas na chamada “Lei de Murphy”, criação
popular de origem inglesa, que suporta a suposta verdade de que “se algo está ruim,
sempre pode piorar”. Trata-se de uma produção experimental que utiliza a linguagem
publicitária do comercial e a desconstrução videográfica, como elementos narrativos.
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O curso de Radialismo, ou RTV como é mais conhecido, está ancorado na produção
audiovisual e sonora, voltado às mensagens dinâmicas para televisão,
rádio e afins. Um aspecto importante, talvez o mais, que caracteriza um Trabalho
de Conclusão de Curso, conhecido como TCC, da habilitação de
RTV, é a experimentação1.
O objetivo da experimentação é testar novos ou antigos formatos
audiovisuais e sonoros, bem como a linguagem e a estética2. Da experiência podem surgir propostas interessantes
ou mesmo ousadas, integrando mais de uma linguagem ou abordagem teórica,
mesmo que aparentemente voltadas para outros conteúdos como a publicidade
e a administração, como é o caso da série “Putz!”.
A série Putz¡ é constituída por doze episódios
de dois minutos de duração cada, perfazendo uma temporada, que aborda
situações corriqueiras do dia a dia, com uma proposta de linguagem
desestruturada, ou seja, a interface entre a publicidade e a videografia. A sustentação
teórica, que embasa a proposta da série, enquanto projeto televisivo
é a Teoria da Cauda Longa, termo cunhado pelo jornalista Chris Anderson,
em 2004, na revista Wired da qual era editor. Mais tarde, no livro Cauda Longa –
por que o futuro dos negócios é vender menos de mais (2006),
Anderson definiria melhor o seu pressuposto, tendo realizado um estudo sobre negócios,
em especial os da mídia e do entretenimento que, segundo ele, devem ser repensados
com o advento do fenômeno da internet. O estudo aponta para a existência
de uma grande massa de pessoas que consomem produtos populares, ou seja, um número
limitado de hits de grande oferta, como no caso da televisão de sinal aberto.
Em paralelo também existe um número considerável de pessoas
desejando consumir produtos diversificados, o chamado consumo de nicho, que somados,
formam uma cauda longa de consumidores de produtos específicos.
A teoria pode ser aplicada ao ambiente televisivo, a partir da análise da
demanda de massa de quem consome a televisão de sinal aberto (bens para todos),
em oposição à minoria privilegiada que consome a televisão
de sinal fechado (bens para nichos). Na televisão de sinal fechado o telespectador
tem acesso a um leque maior de opções com conteúdos específicos,
em canais especializados, com programas que variam entre trinta e sessenta minutos3, excetuando os filmes e transmissões
esportivas. Porém, para que o consumidor obtenha o que acha ser melhor e
diferente deverá pagar a assinatura mensal pelo pacote escolhido.
A pouca oferta de produtos diversificados nas emissoras de sinal aberto, se dá
pela concorrência e pela disputa de praticamente o mesmo público. A
tendência é a formatação de programas de abrangência
com conteúdos médios, que tendem ao popular. Como empresas produtoras
de bens culturais, as emissoras de televisão buscam atingir o maior número
de telespectadores no território nacional, medido pelos índices do
IBOPE4. Atingir tal quantidade de público
está diretamente ligado às necessidades dos anunciantes, numa relação
de mão dupla; quanto maior a audiência do produto televisivo mais anunciantes
serão atraídos e para mais consumidores os bens e serviços
serão ofertados. Os produtos televisivos (programas) atraem outras categorias
de produtos (bens e serviços) e se dá, praticamente, uma venda casada5.
Nas emissoras de sinal fechado (assinatura) o panorama é bastante diferente.
Examinando superficialmente as grades de programação é possível
identificar o direcionamento dos canais. No segmento por assinatura as emissoras
especializam-se em um segmento de produtos e, consequentemente, de consumidores.
O leque de opções oferecidos pelas operadoras dão ao cliente
a sensação de que ele escolhe livremente o que quer consumir. De certa
forma ele se sente dono da programação que será montada de
acordo com as suas necessidades e desejos. Outro fator que leva o consumidor a estabelecer
uma relação diferente com as emissoras fechadas é que ele paga
pela programação, principalmente, pela grande oferta de produtos e
tem a tendência de consumi-la mais frequentemente.
Diferentemente do que acontece no segmento de sinal aberto, o consumidor monta a
sua programação e faz um consumo consciente - no segmento aberto o
telespectador escolhe entre o que está sendo oferecido naquele momento. Outra
característica importante da televisão por assinatura é o conceito
de programa e de produção; a programação é produzida
por temporada6. A cada ciclo, os programas
são renovados, mas também não impede que algumas séries
tenham uma longa duração como por exemplo as franquias “Lei
e Ordem”7 A temporada é
também um modelo de negócios, e pode ser explicada pela teoria da
cauda longa, na medida em que ela colabora para o aumento da oferta de produtos
diversificados.
Outro aspecto importante do segmento fechado é também
a diversificação de formatos, sendo que o experimentalismo faz parte
do ambiente justamente pela qualificação do público. No segmento
da televisão por assinatura a diversidade estética e linguística
busca criar elos de identificação e reconhecibilidade8 junto ao público; um bom exemplo foi a série “Lost”
(2004 – 2010, com seis temporadas), criada por Jeffrey Lieber, J.J. Abrams
e Damon Lindelof, exibida nos Estados Unidos pela Rede ABC. A série rompeu
com os paradigmas clássicos da articulação da linguagem audiovisual,
da narrativa e da linearidade, produzindo um híbrido bem orquestrado e moderno.
A resposta do público foi imediata, tornando-o um dos raros cults9 televisivos.
Levando-se em consideração os aspectos da televisão de sinal
fechado, pela características de programação e público,
é possível resgatar formatos antigos que caíram em desuso como
as pílulas. Diferentemente dos programetes que tem duração
superior a três minutos, e são estruturados com começo, meio
e fim, as pílulas são situacionais ou informativas, focadas em um
evento, na dramaturgia, ou em várias informações no jornalismo.
As pílulas são formatos de difícil definição,
visto que não há literatura disponível a respeito e todo o
conhecimento é resultante da prática profissional. Numa tentativa
de explicitar, a pílula pode ser definida como uma informação
breve e, no caso da experimentação, comportar formatos de representação.
Ela deve ser direta e objetiva em termos da articulação da linguagem
e, ao mesmo tempo, narrativa para desenvolver a situação e consolidar
o conceito. São peças incisivas, com poder de comunicação,
razoavelmente utilizadas pela TV Cultura, Rede Globo e Canal Sony, como exemplos.
Tecnicamente as pílulas são oriundas dos drops radiofônicos.
Quando o rádio se consolidou como meio de comunicação doméstico,
a sua programação estava voltada para o entretenimento e a venda de
produtos. Durante a programação, foram introduzidos pequenos informativos
com duração entre um minuto e dois. Os chamados drops informativos,
quando transpostos para a televisão, adquiriram forma de entretenimento de
situações.
Quanto ao conteúdo, a série Putz! trata de situações
corriqueiras do dia-a-dia, misturando o trágico com o cômico, representando
uma visão diferente dos infortúnios que acontecem com as pessoas,
tornando-os, de certa forma, temas engraçados. Princípios lógicos,
científicos e até mesmo matemáticos relacionam essa bem humoradas
constatações das fatalidades da vida à sabedoria sobrenatural
e até às lendas urbanas, remetendo ao conceito da Lei de Murphy.
As chamadas Leis de Murphy, como ficaram conhecidas, são eventos trágicos
do cotidiano que, ao serem representados, geram identidade entre as pessoas e transformam-se
em pequenas tragicomédias. Sua origem é bastante controversa, mas
a mais conhecida está no livro de Nick Spark, Uma história da Lei de
Murphy. Segundo o autor, em 1949, o major e engenheiro Edward A. Murphy
Jr. fazia parte de um Projeto da Força Aérea Americana e estava encarregado
dos testes para medir a tolerância humana à aceleração
da gravidade. Nos testes os pilotos voluntários eram amarrados a carros sobre
trilhos e lançados a velocidades altíssimas. Um dos técnicos
responsáveis encaixou de forma errada os medidores de aceleração
no equipamento, o que ocasionou na perda de dados importantes do experimento. Irritado,
segundo relatos, Murphy disse “se há dois jeitos de fazer algo, e um
deles resulta em desastre, este rapaz vai fazer do jeito desastroso”10.
Apesar das controvérsias a chamada Lei de Murphy caiu no domínio público,
desde os ditos populares da probabilidade, até as pesquisas científicas
e aplicações motivacionais. A aceitação a amplificação
das leis pode ser explicada pelo fatalismo que marca muitas culturas ao redor do
mundo. O conceito tira vantagem da tendência do ser humano enfatizar o negativo
e não perceber o que é positivo, baseando-se inclusive em probabilidades
matemáticas de que algo está previsto para acontecer. A probabilidade
é tanto um estudo da física quanto da estatística. No território
da física, alguns cientistas explicam o fenômeno através da
Lei da Entropia, ou a segunda lei da termodinâmica, que afirma que é
absolutamente natural que o universo tenda a acabar em desordem e confusão11.
No campo da neuroliguística, uma das abordagens dos princípios da
lei, define que se trata de uma autosabotagem, ou seja, que o indivíduo sabe
que pode dar errado, mas continua em frente, na tentativa de provar-se equivocado
com a assertiva. As situações engendradas na série abordam
mais este viés na sua construção dramática. Os personagens
efetivamente se sabotam gerando o desastre da situação, pendendo para
a tragicomédia12 como modelo de
representação.
Na proposta da série Putz!, a intenção de buscar o sentido
da realidade, através da dicotomia tragicômica, visa atrair a atenção
do espectador, com o objetivo de que ele se identifique com algumas das situações
propostas, como vivência pessoal ou relato de terceiros.
Na representação, o desafio está em encontrar o
modelo narrativo mais adequado, ou seja, a estrutura que possa comunicar de forma
objetiva os conteúdos. No caso, o experimento se utilizou da linguagem publicitária
do comercial, caracterizada pela metáfora das situações e personagens,
ou seja, a metáfora da realidade como objeto básico de persuasão
e provocação do público.A linguagem publicitária é
direta e rápida, visto que o comercial tem pouco tempo para comunicar a mensagem
para o espectador. Em termos estruturais, a utilização das elipses
temporais e narrativas, juntamente com as rupturas de enquadramento, permitem que
a mensagem seja transmitida de forma total, com dinamismo e diferenciação13. De certa forma é possível
colocar muitas imagens e informações num curto espaço de tempo.
Na atualidade a linguagem publicitária do comercial é a resultante
da interface14 das linguagens cinematográfica
e videográfica, dentro de um sistema de representação compacto,
direto e ao mesmo tempo objetivo e subjetivo.
Ainda no campo da representação, somente a linguagem publicitária
não poderia dar o sentido que se buscou para a proposta. Mesmo de forma dinâmica
e fragmentada a condução da situação de cada episódio,
carregava uma dose concentrada e obviedade, que o rigor da direção
de arte não conseguiu suplantar. As situações linearmente construídas
não causaram o impacto necessário à uma proposta experimental.
A solução foi lançar mão da videografia e desconstruir
a narrativa, mas conservando o viés de leitura.
Baseada na teoria do êxtase15 do
cineasta Sergei Eisenstein (1927), cada episódio foi desestruturado, rompendo
com a ordem de começo, meio e fim, mas mantendo um mínimo de estrutura
narrativa. O objetivo foi o de convidar o espectador a reordenar mentalmente a ordem
dos fatos, como um desafio participativo.
O objetivo da série Putz!, como proposta experimental para televisão,
foi o de testar se o caminho narrativo, com a interface das linguagens publicitária
e videográfica, produziria no expectador uma experiência diferenciada
do que ele consome hoje, dentro da oferta de produtos tradicionais, mesmo nas emissoras
de sinal fechado. Por tratar-se de um experimento de linguagem, principalmente com
a desconstrução narrativa, foi necessário manter o viés
de sustentação16, no caso,
de conteúdo.
A escolha das chamadas “Leis de Murphy” se deu pela obviedade, pelo
domínio público e pela assertiva popular de que pode ficar pior, ou
seja, buscou-se a sustentação pela lógica intrínseca
do conteúdo. A utilização da linguagem videográfica,
na desconstrução narrativa, teve como objetivo tirar a obviedade dos
desfechos das situações de cada episódio, analisadas durante
todo o processo de criação e produção. O emprego da
linguagem publicitária, do comercial, deu-se pelo seu poder de síntese,
dinamismo, dinâmica e estética. O comercial de televisão, com
duração média de trinta segundos, utiliza a imagem como elemento
de sedução, diferentemente do cinema e da televisão. Resumidamente,
o experimento buscou estabelecer uma narrativa original para um produto tradicional;
as pílulas televisivas.
A concepção da série Putz! está direcionada para um
público espectador jovem, entre vinte e trinta anos, que compreende a linguagem
videográfica dos clipes musicais, televisivos e cinematográficos.
Um público que sofre a influência estética e lingüística
da MTV e consegue se situar nos modeles narrativos fragmentados.
Notas
1 - Experimentar, segundo o dicionário
significa pôr à prova, provar, testar.
2 - A linguagem corresponde à articulação
dos elementos visuais e sonoros que compõem a narrativa no audiovisual (cinema,
televisão, vídeo, entre outros), e são responsáveis pela transmissão da mensagem. A estética
é determinada pelos valores da representação construídos
pela fotografia e a direção de arte.
3Na televisão, tanto aberta quanto
fechada, é considerado o tempo do programa pela duração cheia,
que inclui o break e a duração de arte que corresponde ao conteúdo.
4Instituto Brasileiro de Opinião
Pública e Estatística, multinacional brasileira de capital privado
é uma das maiores empresas de pesquisa de mercado da America Latina. Há 68 anos fornece um amplo conjunto de informações
e estudos sobre mídia, opinião pública, intenção
de voto, consumo, marca, comportamento e mercado. (informação do site).
5O faturamento de um programa se dá
por três vias básicas: a veiculação publicitária,
o patrocínio e o merchandising.
6 Na televisão de sinal aberto
a maior parte da programação é pensada como grade, com programas
perenes, que podem ficar por anos e décadas.
7 A série estreou em 1990 tratando
de crimes, investigações e julgamentos. Posteriormente desmembrou-se
em Lei e Ordem Crimes Especiais e Lei e Ordem Crimes Sexuais. Atualmente (2010)
ficarão no ar as séries Lei e Ordem Crimes Sexuais e Lei e Ordem Los
Angeles. A franquia pertence ao criador e produtor Dick Wolf.
8 - Elementos fundamentais para a leitura
do audiovisual.
9 - Denominação dada aos
produtos da cultura popular que tenham um grupo de fãs ávidos, mesmo
após não estarem mais em evidência devido ao final da produção ou a interrupção.
10 - Não existem relatos precisos
que corroborem a história. Esta frase atribuída a Edward A. Murphy
Jr. é apontada de formas diferentes.
11 - Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Segunda_lei_da_termodinamica,
acessado em 20 de setembro de 2010
12 - Por definição a tragicomédia
é a junção da tragédia com a comédia, com o objetivo
de tratar de forma sínica eventos ou fatos importantes.
13 - O comercial de televisão planejamento
e produção, 2006
14 - No Brasil o processo iniciou-se em
1990 com a chegada das primeiras finalizadoras digitais.
15 - Citado por Jacques Aumont, na obra
A imagem Campinas: Papirus, 1995.
16 - Na dramaturgia audiovisual, o viés
de sustentação é um fio condutor básico, que conserva
a unidade da estrutura narrativa principal, que permite que o espectador acompanhe a história, mesmo que aparentemente ela não
seja linear.
Referências Bibliográficas
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1999
ANDERSON, Chis. A cauda longa. Rio de Janeiro: Campus/ Elsevier, 2006
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(Acesso em 09 abril 2010)
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São Paulo: Bossa Nova, 2006
O ESTADO DE SÃO PAULO “Multishow convoca produtoras para estimular
criação nacional”. Disponível na internet em < www.adnews.com.br/midia>
(Acesso em 10 agosto 2010)
NETO, José Teixeira Coelho. O que é Indústria Cultural?
São Paulo: Editora Brasiliense, 1980
REDAÇÃO ADNEWS “Brasileiros assistem mais de 3 horas de TV por
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(Acesso em 09 abril 2010)